04 agosto 2014

Personagem


   Era assim. Vinha sendo um personagem.
  Criava, juntava, sorria, era ele, exatamente ele; mas não era; não era nada daquilo o que imaginava quando criança, quando dos seus piores deméritos, nem sequer imaginava, aquilo pelo que passara, aquilo pelo que passou. Veio, veio forte, denso, pragmático, desolador, porém, estava tão mais forte, do que jamais esteve, ele, não só pela idade, não só pelos erros, também pelos acertos, também pela definição que escolheu. Pois sim, definição é escolha. E sim, as escolhas mudam. Entretanto, não era frio. Tinha, sempre, sempre-sempre, uma escolha pela qual definia-se. Descrédito, não demérito, demérito é crueldade consigo. E os amores, que deixou por escolha, nunca haviam feito tanta falta, cada qual, eram parte, tinham construído, aquilo o que se tornara; os deixou não por mudar de escolha, mas por encanto, por saber que mereciam mais do que derivadamente era seu. Entendia ele, o tamanho ínfimo que deduzia, que derivava; pelo livre, pela liberdade.
  Não, não seria mais ser menos, admitidamente; mas sim, seria menos fingir ser mais - isso aprendeu, dolorosamente. Via-se como pré-cambriano, perante a tanta era de degelo. Muito barulho, muita gente: meu cabelo; meu carro; meu dia; minha noite; meu bigode; minha família; minha história. "Estórias", de si próprios, e de si, consigo... Sem espaço para mais ninguém. O mundo tornou-se o umbigo, e nada além, nem tem-se tempo para nada mais, porque as relações, tornaram-se menores, meu eu é mais importante - já falei de mim?
  De repente, aquele mundo não era mais o dele, não pelo bigode, ou pelo cabelo, ou pela fila, ou-ou-ou, não, não tinha espaço naquele mundo, eram eles, e só; mas eles todos, sem generalizações, enfim, eram gente como a gente, gente como ele, que a ideia dele, nada tinham. Personagens. Vastos de si, ocupados consigo mesmos, o tempo que derivavam só, só para si mesmos. Eu. Meus. Cá. Aqui.
  Tornou-se o mundo que pertence a "eles", a eles outros. Só aquilo o que querem, como querem, assim que querem. E assim vão, sorriem, estacionam, comem, bebem e dormem. 

   "Parem o mundo que eu quero descer."

    - Já falei de mim?

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