29 março 2013

"O caminho


(...) Eu quero ela me dizendo que sou tudo pra ela.
Eu quero ela me dizendo que sou tudo.
Eu quero ela me dizendo que sou.
Eu quero ela me dizendo.
Eu quero ela.
Eu quero.
Eu."

- Alessandra Terribili

27 março 2013

Crônicas silvestres


Um homem, acorda sempre por volta das sete e meia, oito horas. Tem por volta dos seus trinta e cinco, quarenta anos, lê regularmente, não fuma, nem gosta muito de futebol, pensa que o esporte é pra fazer bem para as pessoas e que o futebol é pouco contemplado e muito violento, introduz seus pensares em seu trabalho, seu descrente momento familiar e em sua relação afetiva, namoram a pouco mais de sete anos, viajaram juntos pela primeira vez no primeiro aniversário de namoro, foram para Santa Catarina, na mais bela praia de lá. Leram, jogaram cartas, escutaram música, lavaram a louça juntos, como sempre fizeram naquela viagem, transaram e foram dormir. Na manhã seguinte, acordaram e foram passear, ficaram muito bem, apesar de conversarem pouco, ambos eram pessoas legais e bem humoradas, levavam a vida de um jeito bom e agradável.
Seus nomes eram Wágner e Fátima.

- Hoje, domingo, espero que seja um dia muito bom.

Disse Wágner ao acordar, se levanta e, como sempre, olha o quadro em seu quarto, em frente à cama, muito bem desenhado, vistoso, uma mulher numa provável cama, onde deve ter passado a noite, com os cabelos aparentemente molhados, onde, na cena, só se vê uma espécie de lençol, haja visto por vê-la, de costas, sentada num preto que ganha tons, nas dobras que a imagem reproduz. Tão abnegado, acorda feliz, vendo o seu belo quadro, pensando, aéreo. Quando toca a própria mão esquerda e a sente de forma estranha, diferente, ele olha bem e sente uma espécie de dormência, nos dedos todos, examina bem, vê o que parecia uma mordida, pequena, talvez de um inseto, bactérias, e impressionantemente não sente dor. Sente uma leveza, perde o tato nos dedos todos. Pensa no que fazer, em qual médico consultar, mas hoje é domingo! Wágner se sente só. Provável enfermidade. E sozinho. Num domingo. Levanta, olha desconhecendo, mas ainda apavorado. Chora. Vai ao banheiro, lava o rosto, escova os dentes, sente na mão uma "falta de sentimentos", uma "timidez". Não sente fome. Wágner pesa entre noventa e noventa e cinco quilos, sente uma falta de sentires, assim como a própria mão. Pensa em ligar para algum dos familiares, mas eles não andam numa fase muito boa, desde que souberam que ele não teria filhos, fez por opção, de forma segura, uma vasectomia. Sem amparos, toma banho, ainda triste. Sai do banho, lê o jornal, não tem fome, nem vontade de sair, liga a televisão. Toma um copo de água. Desce e vai comprar um cigarro. É um misto de dúvida com a própria imaginação de Wágner. "O que será isso?" Pensa ele enquanto assiste, desorientado. Com medo, sem fome, com vontades inimagináveis. Passam-se algumas horas. Ele pensa. Por que não casou? Ou não foi namorado de Gabriela, aquela linda, charmosa e extravagante mulher que ele conheceu a sete anos atrás. Era dela que gostava quando conheceu Fátima. Ou por que não teve aquele cachorro que ganhou e nunca buscou? Por que não fala mais com seu pai? Pensou por minutos e decidiu. Começará a fazer um melhor dia, o dia de amanhã. Pegou seu whisky, serviu, viu que já passava das três da tarde. Ficou o dia inteiro analisando uma forma de que se aquilo fosse mortal, afinal sua mão estava fria, descolorida, trêmula e indolor. Ele pega um caderno, uma caneta e senta-se na cama, de frente para aquele quadro. Observa. Começa a escrever da sua infância, o nome das dezessete mulheres que já beijo, das quatorze que teve relações sexuais, escreve uma carta ao seu pai, chora. Talvez devesse ligar para Fátima e contar o que estava acontecendo. Mas Wágner não sabia exatamente o que dizer. Olha paro o quadro, pra janela, sente que talvez não faça diferença na vida de mais ninguém. Decide escrever sobre aquele quadro, diz que aquele quadro tem quatro defeitos, os seios caídos demais, o pé direito mal desenhado, a linha como se fosse a do cabelo, quando se encontra com as costas, e o número de circunferências desenhado daquilo que ele imaginava serem luzes na pintura. Escreve como se mais pessoas fossem ler aquela folha de caderno velho. Vai ver o pôr-do-sol da sua sacada, nem lembrava mais como era isso, fez isso nos primeiros anos em que morava ali, agora não mais. Fuma outro cigarro, sente-se tão mais vivo enquanto agora poderia enfermo estar. Nesse lindo fim de tarde, como poderia ele estar assim. Falou com ele mesmo, coisa que ele nem lembrava mais como era, riu. Advogados, ele e seu irmão eram bons amigos na época de faculdade, mas como Wágner é um ano mais velho, terminou a graduação antes. Sentiu saudade da época que ia com o irmão, Wilson, beber e rir, por horas. Sem programar aquilo, era assim. Lembrou então de Wilma, sua irmã mais velha, com ela era geniosa e interesseira, riu. Era o momento mais triste em que Wágner sentia-se feliz, inexplicavelmente. Já eram por volta das nove horas. Foi então que quis subir no prédio, na cobertura, coisas que nunca tinha feito. Ficou surpreso ao ver que tinha piscina lá em cima, o céu estava limpo, estrelas e a lua-nascente, ela mais parecia um risco, leveza e beleza. Entrou na piscina. Um mergulho rápido como forma de apresentação. Voltou para o seu apartamento, ligou para o seu irmão, nem contou, afinal, não sabia de nada. Saudoso ouviu em silêncio o irmão falando, depois Wilson perguntou se ele ainda estava ali, e ele riu, e falou: 

- Irmão, somos aquilo que queríamos ser?

Wilson espera, parece pensar, e responde:

- Acho que me tornei um pouco daquilo que não queria me tornar, mas vivo!

Ele ri. Wágner não surpreende-se com a resposta, talvez antes de hoje surpreenderia-se, mas não depois de um dia assim "tão vivo", sem conviver com mais ninguém, esteve só, não conversou, só com o irmão, agora. Ele não falou com mais ninguém e teve o dia mais ascendente que já teve. Pavor e vivência.
Se despediram, falaram por cerca de quatro minutos, e parecia ter feito mais sentido do que a vida toda que eles estavam vivendo. Amorosamente, os programas que faz, o afastamento do irmão, o que sentia e esqueceu de como era sentir.
Desligou e recolheu-se, precisava de um sono... Estava desperto, não comia nada há vinte e quatro horas.
Triste, mas vivo. 
Dormiu.