01 janeiro 2014

Monólogo


    Atravessa o palco, a fumaça e o cheiro, a ardência, e quem estava mais próximo pode sentir o calejar, o pingar dos olhos, Wágner não chorava, era o medo, naquele início de noite seria algo um tanto atípico para ele. Respira fundo. Então, começa a sua apresentação, não-ferozmente, diferente daquilo o que Patrícia, escritora da peça, disse-
-lhe: sobrepuje-se como faz o bem-te-vi, seja perceptível, mas preze também pela delicadeza das formas de expressão, que fique saudade, no público, ao fim. Sentarei na última cadeira, na última fileira; e quero sentir-te, não-banalizadamente, quero de você o que vi em seu último ensaio.

    Foi seu dito, momentos antes daquilo tudo começar, mas ele não entendia como aquilo batia à sua cabeça... Ele buscava, rebuscava; e no acender das luzes, não conseguia mexer-se. Ascende à ideia de que Patrícia jamais o desculparia, sentiria-se traída, mas com tantos olhando para si, como poderia? Havia esquecido por onde começar. Sabia que já fazia algum tempo que estava ali, o sorriso das crianças passara, os olhos dos adultos eram desentendimento, Wágner os olhava fixamente e, simplesmente, não se lembrava da primeira frase de seu texto, não sabia como agir perante a tal situação... suas mãos suavam, ele fecha os olhos, e por alguns instantes sente-se calmo, engole saliva, respira bem fundo e abre os olhos.

    E não entende, ainda sente seu coração bater virilmente; descrente de entendimento, suado, repara que acabou de acordar, daí respira, acalma-se e pensa, definitivamente, Patrícia nunca me perdoaria se fosse real.