05 junho 2013

Clarividência


Opaco, sombrio, desnaturado e frio.
Acordado. Revirava e revirava na cama, solto nos pensamentos, mas ainda com medo de se soltar. Seria um desprazer natural...
Jus à finda época divergente de certa expansão cognitiva, Wágner nem se lembra de alguns amigos que teve, de alguns amores que passaram... "Nem a mais sórdida liberdade, é livre da sociedade": disse sua avó, a uns vinte, vinte e cinco anos atrás, achava ele sem qualquer certeza. Ele nunca esqueceu das caras, que se assemelhavam, em alguns aspectos, aquelas de representantes daquele governo antigo, assassino, discriminatório, divergente, que não dava liberdade a seu povo, nem lutava, combatia, exclusivamente, para o seu próprio bem, queria um povo pobre, burro e sem expectativa, referencia ele, a época da ditadura militar no Brasil. E aqueles rostos, de algumas daquelas pessoas, que nem mais como conhecidos ele descrevia. Não que não sentisse falta, mas que aprendeu a não mantê-la. Tudo o que lhe deixaram, foi falta, mesmo que pelo segundo em que lembrava-os. Passou a não sentir mais as suas faltas, mas falta de caráter, de hombridade, um ilogismo pragmático, que Wágner não conseguia esquecer.
Não sabia mais os senos, cossenos ou tangentes... Dialogava consigo mesmo querendo definições, não entendia. Nem sequer pessoalizava a ideia de ainda inerte conter estímulos, sofria o vazio do marasmo. Não queria gritar, talvez nem soubesse como reagir frente a si mesmo. Morria, a todos os dias, se perdia, e não voltava a se encontrar. Revia fotos, bebia vinho, sentia uma dose de discernimento, com algumas daquelas antigas relações, importava-se. "Se você discerni, não ama", alguém o disse, talvez também tenha sido sua avó, disso ele não lembrava exatamente. Wágner repleto de distorções mentais, um coma acordado consciente. Más ideias repatriavam em seus pensamentos, mas o mais estranho, não chorara. Entristecia-se, repleto de causas, entretanto não lembrava exatamente dos porquês. E aquela provavelmente tenha a sido a experiência mais caótica de representatividade peculiar. Uma dor, pequena e controlável, que não o assustava, que o fazia sentir o respeito necessário, mas que ainda assim, doía. Vivia ele com desejos abnegados, com imaturidade de quereres exagerados, com sensações calcadas de uma espécie de desejar um passado diferente, que certamente consistia em um presente diferente.
Por que correr, se ele mal conseguia caminhar? Mas desejava voar! Queria ter sido cuidado por alguém, respeitado por todos, e definitivamente, não subestimado por alguns. Fica, fica quieto, espera a certeza de quê caminho seguir, e talvez morresse triste nesse sentido, nunca sabendo.
Os desejos, a saudade, a confusão aparente, a indecisão consciente, tudo era tão solto em sua mente.
Desconhecia o medo, mas possivelmente era isso que sentia. Feliz por tudo o que os seus afastamentos o trouxeram, todavia solto e temeroso sob-aquilo que dentro de si próprio ainda virá.
Mexe-se na cama outra vez, já fazem algumas horas que acordou, mas não se levanta. 
Fica ali a pensar. 
Opaco, sombrio, desnaturado e frio.